África do Sul como você nunca imaginou

Em setembro, eu realizei o meu sonho de conhecer a África do Sul e não imaginava que a viagem seria tão incrível. Todas minhas expectativas foram superadas e quero te contar por quê.

Eu sei que no imaginário das pessoas quando se fala em África do Sul geralmente a associação imediata é com safáris. E, embora existam muitas opções de reservas e parques para esse tipo de atividade, que por sinal é incrível, a África do Sul oferece inúmeras possibilidade de roteiros, seja para quem busca conhecer de maneira mais aprofundada a história e cultura sul-africana, para quem gosta de vinhos, atividades outdoor ou famílias com crianças.

Eu elaborei o meu roteiro de maneira que eu pudesse conhecer um pouco de cada uma dessas características e foi sensacional! 

Comecei a viagem por Johannesburgo, a maior cidade da África do Sul, são mais de 4 milhões de habitantes e é a cidade mais importante economicamente do país. Joburg, como a cidade é carinhosamente chamada, está localizada na província de Gauteng, que significa “Lugar do ouro”. Essa é a menor província sul-africana, por outro lado é responsável por 4% do PIB do continente africano em razão da sua intensa atividade de mineração. A extração de ouro foi o motivo determinante para a criação da cidade de Johanesburgo, que por onde se passa, é possível ver as montanhas amarelas onde já existiram minas de ouro. 

Eu já estive em capitais europeias e grandes cidades americanas, cidades que recebem o título de cosmopolitas ou cidades globais pela sua importância e diversidade, mas para mim, nenhuma delas se compara a Johanesburgo. Nas ruas, nos restaurantes, nos comércios o que se vê é uma diversidade de pessoas que encheu meu coração de emoção. São turistas e moradores de inúmeras etnias, todos ocupando os mesmos espaços da mesma forma. 

Ali não se vê um grupo de pessoas apenas servindo e outro apenas consumindo, algo bastante comum no Brasil. E eu estou enfatizando isso, porque há exatos 30 anos atrás nenhuma pessoa preta era livre para circular em Johanesburgo devido o regime de segregação racial do Apartheid.  

Eu vivi emoções antagônicas nessa viagem. 

O tour pelo bairro Soweto com visita a uma das casas que Nelson Mandela viveu e ao Museu do Apartheid foi a primeira revirada no estômago que eu senti em 11 dias na África do Sul. 

Eu nunca vou esquecer os contrates das suas ruas, onde à esquerda há casas de alvenaria de pessoas que sempre moraram ali e à direita há casas de lata que foram construídas para realocar a população que foi obrigada a deixar seu lar por causa da cor da sua pele. 

Por puro desconhecimento meu, eu não sabia os detalhes do Apartheid e visitar o seu museu foi uma verdadeira aula de ancestralidade, colonização, luta e resistência. A minha filha de três anos que ficou obcecada pelo Nelson Mandela, perguntando toda hora sobre ele me desafiou enormemente ao questionar por que Mandela foi preso. Eis a minha tentativa:

– Filha, o Mandela foi preso porque ele estava lutando pela liberdade dele e de outras pessoas. Eles queriam ser quem eles eram, fazer o que quisessem e um outro grupo de pessoas más não deixava.

– Entendi mamãe, igual você quando não me deixa fazer o que eu quero né

Na percepção dela, errada não está. A mim só restou segurar o riso. 

Johanesburgo me conquistou de vez quando eu descobri que a cidade tem a maior floresta urbana artificial do mundo. São mais de 10 milhões de árvores, há ruais cobertas por túneis naturais de jacarandá e outras tantas espécies de árvores, há parques públicos espalhados por todo lado. Joburg também têm muitos bairros degradados que retratam a desigualdade social da cidade e país, para tentar ressignificá-los a gestão da cidade tem o plano de ter maior coleção de arte de rua do mundo até 2040. 

E aí eu fui para Cidade do Cabo. 

Se por um lado Johanesburgo pulsa história, cultura, identidade e política, a Cidade do Cabo enche os olhos pela sua paisagem natural e o espetáculo começa no voo. Conforme o avião se aproxima da cidade, a gigantesca cadeia montanhosa da Table Mountain se apresenta e é possível ter uma prévia do que está por vir. 

Eu sabia que a Cidade do Cabo era colorida e bonita, mas eu venho aqui atestar para você que nenhuma foto retrata verdadeiramente a sua beleza ao vivo. E não é só da cidade em si. 

Num dia ensolarado, visitei a Boulders Beach, famosa praia dos pinguins, o Cape Point e o Cabo da Esperança fazendo o trajeto de carro por uma estrada que beira o mar e em muitos momentos eu fiquei sem palavras. Existe uma expressão para lugares assim: paisagem cênica. Para onde você olha, tudo é muito lindo. 

Já num dia nublado, visitei a Robben Island, onde Nelson Mandela e outras milhares de pessoas ficaram presas durante o Apartheid e ali eu senti a segunda revirada no estômago, não só porque o mar estava mexido e o trajeto do Waterfront até lá ter sido penoso, ao final da visita eu tive a certeza que o mal estar do barco faz parte da experiência. 

Eu conheci Berlim no inverno e quando eu coloquei meus pés na rua eu senti uma sensação estranha e pesada que só se agravou conforme eu visitava alguns pontos da cidade. Eu fui sentir isso de novo na Robben Island. 

No trajeto de barco, somos convidados a assistir um vídeo que conta a história da ilha que durante séculos foi palco de invasões, genocídio e enfim uma prisão. O tour é dividido em duas partes, uma de ônibus, afinal é a maior ilha costeira do país, seguido da parte a pé pelas edificações da prisão de segurança máxima. 

Você já fez um tour numa prisão guiado por uma pessoa que esteve presa no mesmo local? Essa é a experiência que a Robben Island oferece. 

O guia do meu grupo, o senhor Dumisani Mwandhla, foi preso aos 24 anos e foi libertado em 1990 junto com Mandela e ele esteve ali por cinco anos e meio. Perguntei a ele qual é a sensação de ser guia naquele lugar e ele me respondeu que é terapêutico, há dias que ele se pergunta por que raios ele está se sujeitando a estar ali de novo e outros em que ele se sente mais forte, porque ele venceu a luta. 

A visita a Robben Island foi mais uma aula de história para mim e muito controle emocional. É difícil não se emocionar vendo as condições degradantes que inúmeras pessoas viveram ali, desde diferença de quantidade de comida dada aos mestiços e pretos até a forma como as cartas entre familiares eram censuradas. 

“Embora possamos perdoar, nunca podemos esquecer” (Nelson Mandela)

A África do Sul é um destino muito amigável para famílias, especialmente com crianças.

Eu também visitei vinícolas e diferentemente da Argentina, Chile, Uruguai, Portugal e França, na África do Sul o vinho não é o protagonista da história. Isso porque, as vinícolas sabem exploram muito bem tudo o que oferecem: piquenique, tours variados, degustação, galeria de arte, o que é bastante apropriado para quem não bebe vinho e quer conhecer as vinícolas mesmo assim. 

Visitei a vinícola Vergelegen que existe desde o século 18, são 324 anos de existência. O lugar é lindíssimo, passear pelos 17 jardins é um passaporte para se sentir no paraíso e enquanto os adultos faziam sua degustação de vinho, minha filha participou fazendo sua própria degustação de sucos. 

Visitei também a premiada vinícola Tokara, cujo restaurante figurou na lista “World’s 50 Best Restaurants” como 50 melhores descobertas e a chef foi nomeada a mais promissora da África do Sul, esses prêmios fazendo jus a qualidade.  Foi uma refeição primorosa, combinação de sabores bem particulares. 

A Tokara, assim como outras inúmeras vinícolas, recebe muito bem famílias com crianças. Neste caso, além do restaurante principal, eles também têm a Delicatessen, uma opção mais familiar com um brinquedão divertido com banco de areia, onde a pequena Laura se empanou inteira com uma amiguinha brasileira que também estava por ali.  

São incontáveis possibilidades de vinícolas para serem visitadas nas regiões de Paarl, Stellenbosch, Franschhoek, Constantia e em todo país, afinal a indústria vitivinícola sul-africana dispõem hoje de alta tecnologia, sendo referência mundial em produção sustentável e um dos maiores e mais procuradosfornecedores mundiais de mudas de videiras. 

Ir para uma reserva fazer safári é muito mais que ver animais silvestres. 

A essa altura da viagem, eu já tinha a certeza de que se eu entrasse num avião para voltar ao Brasil eu já estaria muito satisfeita com tudo o que havia vivido, sentindo saudades, anotando mentalmente o que eu não consegui conhecer para visitar numa próxima ocasião. 

Felizmente eu ainda tinha mais 4 dias na África do Sul e fui conhecer a Reserva Madikwe. Uma das principais reservas de vida selvagem da África do Sul, na fronteira com Botswana e com mais de 75 mil hectares. 

Por que eu escolhi a Madikwe e não o Kruger?

Eu estava viajando com minha filha e a Madikwe é conhecida por ser livre de malária e por oferecer a oportunidade de avistar os Big Five (leão, leopardo, rinoceronte, elefante e búfalo) assim com outros animais. Mas sobretudo porque, a reserva de Madikwe também é especialmente conhecida por seus esforços de conservação e programas de reintrodução de espécies. Anteriormente, a área era usada principalmente para agricultura e pecuária e foi transformada em uma região de safáris porque perceberam geraria muito mais lucro e empregos do que qualquer outra opção. Madikwe hoje é um modelo da forma com que a conservação pode beneficiar comunidades e empoderar mulheres.

Eu me hospedei no aha Thakadu River Camp, um lodge inacreditável localizado dentro da reserva. São 12 suítes tendas, cada uma com um deck de observação com vista para o rio Marico. Na área do lodge ainda há piscina, área de lounge, restaurante e um visual lindo! As reservas incluíam a acomodação, todas as refeições e dois safáris por dia.

Um fato muito legal que preciso destacar é que Thakadu River Camp é um dos dois logdes localizados na reserva que são de propriedade integral da comunidade local que tem um contrato de arrendamento de 45 anos para explorar comercialmente a área.

Os moradores da vila Molatedi têm preferência para trabalhar no lodge e aqueles que são de outras vilas, precisam passar antes por um período de experiência na comunidade para entender sua história, cultura, hábitos e hospitalidade. O conceito é único na África do Sul e que gera benefícios substanciais para a própria comunidade.

Eu poderia ter feito um total de cinco safáris, mas eu fiz apenas três optei para aproveitar o máximo possível a estrutura do lodge e quero compartilhar com você coisas incríveis que vive ao fazer escolha: 

– Observei um elefante comer enquanto aproveitava a piscina

– Fiz massagem da varanda da minha tenda com macaquinhos ao meu redor

– Descansei muito e fui acordada ao som de inúmeros animais

Mas ao fazer os safáris, eu também:

– Presenciei o nascer do sol mais lindo da minha vida

– Fiquei menos de 20 metros de uma leoa que estava tranquila descansando

– Vi com os meus próprios olhos um bebê elefante tentando beber água todo atrapalhado

– Vi um céu estrelado como nunca. 

A hospitalidade sul-africana

No meu segundo dia de viagem, eu me lembrei do Tedx “O perigo da história única” da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em que ela faz uma crítica contundente sobre o terrível hábito de mencionar a África como um país e não como um continente com 54 países, o maior número de países num único continente no mundo e de considerar a pobreza e conflitos como a única história sobre os africanos.

 Eu sempre tive a Suíça e os EUA como referência em hospitalidade, afinal as melhores escolas estão nesses países. Eu ainda não conheço a Suíça, mas minha recente experiência em Nova Iorque foi suficiente para confirmar que meus parâmetros precisavam ser revistos e assim foram. 

A hospitalidade e acolhimento dos sul-africanos é um capítulo a parte da minha experiência. Mas resumidamente, o brilho nos olhos, o sorriso no rosto, o cuidado concedido e o carinho das pessoas com as quais eu cruzei foi algo que me chamou muito a atenção, mais uma vez, eu nunca havia experenciado isso. 

Nesta viagem, eu me hospedei em hotéis de redes internacionais como Holiday Inn e Radisson Blu e há outras tantas opções, isso porque a oferta de acomodação em Johanesburgo e Cidade do Cabo é muito ampla. Ainda rompendo com pré-conceitos ou vencendo o medo do desconhecido, a oferta gastronômica também é muito variada, há opções do mundo inteiro e a comida local sul-africana é saborosa, como o chakalaka um acompanhamento com milho, feijão roxo, pimentão e tomate ou os inúmeros molhos de cogumelo deliciosos que eu comi.  

Eu cruzei com muitos europeus durante a viagem e todos me perguntaram quanto tempo era de voo do Brasil à África do Sul como se as distâncias fossem monumentais, mas são as apenas oito horas de voo na ida e 10 horas na volta, apesar das cinco horas de diferença no fuso horário. 

Meus voos foram com a Latam, que recentemente retomou os voos para Johanesburgo e oferece uma classe econômica mais confortável que voos para os EUA e uma classe executiva no formato mais moderno de cápsula. Meus deslocamentos internos foram com South African e eu fui surpreendida com seu serviço de excelência e conforto mesmo em voos mais curtos. A South African também reabriu suas rotas com São Paulo para Johanesburgo e Cidade do Cabo. 

“A história única cria estereoptipos e o problema com os estereótipos não é eles serem mentira, é serem incompletos. Fazem com que uma história se torne na única historia. “ (Chimamanda Ngozi Adichie)

A África do Sul é para todos os perfis de viajantes, mas sobretudo para aqueles que buscam destinos que lhe transforme, é um destino para viagens com propósito.